III do tempo comum
Memória da conversão de Paulo no caminho para Damasco. Memória também de Ananias que baptizou Paulo, pregou o Evangelho e morreu mártir. Hoje conclui-se a semana de oração pela unidade dos cristãos. Oração pela unidade das Igrejas. Memória particular das comunidades cristãs da Ásia e da Oceânia.
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Homilia
O Evangelho anunciou-nos a chamada de Jesus aos primeiros discípulos. Não é apenas uma história passada. Quer-nos dizer que Jesus continua ainda hoje a chamar os homens para que O sigam. É verdade, continua a percorrer os caminhos do mundo de hoje e a chamar homens e mulheres para que, com Ele, apressem os dias do Reino de Deus na Terra. Ele passa, vê e chama. Não dá ordens como um general: mas fala como alguém que tem autoridade. Não explica uma lição como um professor: mas é o único Mestre. Não fica a escutar distraidamente ou sem dizer nada: é um amigo que indica um caminho. Não fala para Si como um egocêntrico: chama para edificar uma fraternidade nova. Não julga tudo e todos como fazemos nós, que nos julgamos mais inteligentes do que os outros: Ele explica-nos o nosso pecado e oferece-nos o caminho da salvação. De facto, o Evangelho não é um código moral, apesar de nos ensinar o que é que é verdadeiramente importante e ajudar-nos a confrontar-nos com o amor. Não é um livro que uma vez lido, é posto de parte, antes pelo contrário, quanto mais O abrimos, mais O percebemos. É Evangelho, isto é, uma Boa Notícia. Quantas notícias más ouvimos e que às vezes angustiam e metem medo! O Evangelho é a notícia mais linda que nos pode ser dada: é o anúncio que Deus isto é, o amor, o mistério da vida, o sentido da existência te fala, Se dirige a ti, quer que O sigas, isto é, tem prazer que tu estejas com Ele: precisa de ti. O Evangelho é o próprio Deus que te diz: quero-te bem, quero que tu fiques comigo; quero que a tua vida seja linda; quero que tu sejas feliz. Segue-Me! Caso contrário, seguirás os muitos senhores deste mundo e serás prisioneiro de ti mesmo.
O evangelista Marcos faz iniciar a pregação da Boa Notícia depois de Jesus ter sabido da prisão de João Baptista: “Depois de João Baptista ter sido preso, Jesus voltou para a Galileia, a pregar a Boa Notícia de Deus”. A palavra de justiça, severa e exigente que saía da boca deste profeta no deserto tinha sido acorrentada por Herodes. A terra da Palestina tinha voltado a cair como que num deserto já sem palavras verdadeiras; todos estavam condicionados pelo ambíguo poder de Herodes. Jesus sentiu a urgência de fazer ecoar novamente nos ouvidos e, sobretudo, no coração dos homens uma palavra de esperança no advento de um mundo novo. Deixou a região do Jordão e foi para a Galileia, a região mais periférica e mal afamada da Palestina. E começou a transmitir pelas ruas e praças desta terra o anúncio evangélico: “O tempo já se cumpriu e o Reino de Deus está próximo; convertei-vos e acreditai na Boa Notícia”. Àqueles pobres homens e mulheres galileus, Jesus anuncia que acabou o tempo do predomínio dos violentos e dos usurpadores, dos arrogantes e dos prevaricadores, acabou o tempo em que os homens são abandonados ao mal e se abandonam uns aos outros, não se amam e não são amados. Isto é, acabou o tempo da escravidão. E começou o tempo da liberdade do Reino de Deus: um Reino de paz, de solidariedade, de amizade, de perdão, de renovamento dos corações e da vida.
Esta Boa Notícia é anunciada hoje também a nós e é uma boa ocasião de se aproveitar. Não só porque os nossos dias não são assim tão diferentes dos de João Baptista, mas também porque é urgente colher a decisão do renovamento da vida pessoal e da sociedade. Há, de tempos em tempos, um momento próprio que deve ser colhido; um momento no qual a palavra “renascer” adquire um novo sabor concreto. É um momento de decisão. As próprias condições políticas impelem neste sentido, apesar do campo da decisão ser maior e tocar as próprias raízes da nossa existência. A nossa, é uma situação análoga à descrita no Evangelho de hoje para Simão e André, seu irmão, ocupados na azáfama de todos os dias; Jesus encontrou-os enquanto lançavam as redes e chamou-os: “Segui-Me, farei de vós pescadores de homens”. A mesma cena repete-se pouco mais à frente para outros dois irmãos, Tiago e João, também eles ocupados a consertar as redes. Os quatro deixaram as redes de pescadores de peixes para tomarem as de pescadores de homens. Já não deveriam pescar para eles mesmos; a chamada mudava a atenção deles, a preocupação deles, a própria vida deles: passariam a pescar para outros, para edificar um Reino que inclua um destino comum para os homens. Daquela decisão, nasceram os primeiros discípulos; e ninguém pode encontrar outro caminho diferente deste que nos é indicado por Marcos.
Que sentido tem seguir aquele jovem Mestre? Que sentido tem abandonar as preocupações de sempre? O Evangelho não mostra Jesus a explicar o Seu programa e a pedir uma adesão. Isto é, Jesus não procura convencer. Diz só: “Segui-Me, farei de vós pescadores de homens”. Pede-lhes que deixem de pescar para eles mesmos e passem a pescar para os outros; que não percam o próprio coração e a única vida deles a procurarem para eles mesmos, mas para ajudarem a encontrar com amor, outros homens; que O ajudem a puxar do mar confuso do mundo, da solidão que muitas vezes amedronta, muitos outros homens e mulheres chegando a eles com as redes da amizade. Todos os homens precisam de ser amados. O Evangelho não nos pede para sacrificarmos nada da nossa vida. Antes pelo contrário. Ajuda-nos a perder o que não serve, isto é, o orgulho, o egocentrismo e o míope amor-próprio. E dá-nos cem vezes mais em irmãos, irmãs, mães, pais. Aqueles primeiro quatro que foram chamados, intuem a beleza daquela chamada. E, abandonaram as redes imediatamente. Há pressa. O tempo começou a apertar. E isso vale também para nós. Não somos eternos! O amor quer chegar já, não quer desperdiçar as ocasiões. Certamente aqueles homens não tinham entendido tudo. Nem sequer nós percebemos tudo! Mas, eles decidiram levar a sério aquela palavra de amizade. Diziam os Doutores da Igreja: “Percebe que és um pequeno universo. Queres escutar uma outra voz para não te considerares coisa pequena e vil?”. Aquela voz é o Evangelho de Jesus que entra no pequeno universo do nosso coração para o abrir com doce insistência e até ao fim, mesmo quando entrevemos apenas a escuridão à nossa frente, continua a propor-nos: “Segue-Me”.