XXVIII do tempo comum
Memória do patriarca Abraão. Na fé partiu para uma terra que não conhecia, que lhe fora prometida por Deus. Por esta fé é chamado pai dos crentes, hebreus, cristãos e muçulmanos.
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Homilia
"A Palavra de Deus não está algemada!". Assim diz Paulo ao ditar a Carta a Timóteo enquanto estava acorrentado na prisão (2Tm 2, 9). E acrescenta: "É por isso que tudo suporto por causa dos escolhidos, para que também eles alcancem a salvação". Estas palavras de dor do apóstolo manifestam-nos a liberdade e a força da Sagrada Escritura que nos é anunciada todos os domingos; neste sentido, a Palavra de Deus é, na verdade, uma preciosa dádiva do Senhor. Os eventos tristes ou menos tristes que nos acontecem pessoalmente ou ao mundo que nos rodeia não conseguem sufocar o Evangelho, assim como nem as correntes conseguiram fazer desistir o apóstolo Paulo do seu ministério de pregação. Todos os domingos, quer se participe ou não na Liturgia, o Evangelho volta a falar à vida dos homens. Podemos afirmar que, ao contrário de Paulo, obrigado a "estar acorrentado como um malfeitor" por causa do Evangelho, acorrentamo-nos a nós mesmos para não escutarmos aquela única Palavra que nos pode salvar. O próprio Evangelho deste domingo (Lucas 17, 11-19) mostra-nos o poder da Palavra.
Jesus encontra-se no território de Jizreel, entre a Galileia e a Samaria. Enquanto entra numa aldeia, vão ao Seu encontro dez leprosos (era fácil encontrá-los perto dos centros habitados). Eles, mantendo-se à distância, como previsto pelas leis, gritam-Lhe: "Jesus, Mestre, tem compaixão de nós!" (v. 13). Jesus não os evita, como normalmente todos fazem, mas até Se põe a falar com eles. No fim, despede-Se deles: "Ide apresentar-vos aos sacerdotes" (v. 14). Não os cura logo como fez noutras ocasiões (Lc 5, 12-16); nem lhes toca com as Suas mãos, mas manda-os aos sacerdotes, pedindo, deste modo, um acto de fé. Os dez leprosos obedecem imediatamente e encaminham-se para os sacerdotes. O evangelista anota que durante o caminho são "curados"; podemos dizer, apercebem-se de que ficaram curados. Tudo isso tem o seu significado: a cura, o milagre, não é um evento prodigioso que acontece repentinamente como se fosse o resultado de uma magia. Podemos comparar a primeira parte da cena evangélica aos primeiros passos de qualquer conversão e da própria vida do discípulo. De facto, a conversão nasce sempre de um grito, de uma prece, como a dos dez leprosos. A própria Liturgia, todos os domingos, logo no início, faz-nos repetir: "Senhor, piedade!". A cura radica-se ao reconhecermos a própria doença, a própria necessidade de ajuda, de protecção, de amparo.
Contrariamente aos homens quase sempre distraídos diante do grito de ajuda, o Senhor escuta e pára. Não só. Responde imediatamente. Como escutámos do apóstolo, a Palavra de Deus nunca está acorrentada: fala sempre com liberdade e com poder. O problema está em nós; somos nós que não escutamos ou porque desanimados ou porque cheios das nossas próprias palavras. Neste domingo, somos convidados a escutar a Palavra evangélica e a depormos a nossa confiança n’Ela, como o fizeram os dez leprosos. Com a Palavra de Jesus, eles puseram-se a caminho para irem ao encontro dos sacerdotes e, precisamente enquanto caminhavam, ficaram todos curados. Isto significa que a cura inicia quando se começa a obedecer ao Evangelho e não a nós mesmos ou aos nossos hábitos mundanos. Nesse sentido, o nosso caminho espiritual levar-nos-á à cura, do coração e do corpo, na medida em que é marcado pela escuta do Evangelho. Uma coisa semelhante acontece aos dois discípulos de Emaús: eles ficaram curados da própria doença (a profunda tristeza do coração) enquanto caminhavam e escutavam Jesus que falava.
O texto evangélico deste domingo, depois de ter anotado que os dez leprosos ficaram curados, acrescenta que só um deles voltou atrás "dando glória a Deus em alta voz"; e mal chegou perto de Jesus lançou-se aos Seus "pés e agradeceu-Lhe" (v. 16). O evangelista entende realçar com esse gesto o ulterior passo da conversão: isto é, o reconhecimento e a entrega da própria vida a Jesus. A cura completa, de facto, inclui também o coração. Podemos dizer que o décimo leproso não só ficou "curado", mas que também se "salvou". Os outros nove, todos hebreus, talvez pensassem que a cura fosse uma coisa devida, porque filhos de Abraão. O décimo, um samaritano, um estrangeiro, sentiu a cura como uma graça, como um dom não merecido, que exigia uma retribuição de amor. Ele é um exemplo para todos nós, para que acolhamos a comoção gratuita de Deus sobre a nossa vida e O agradeçamos por se ter debruçado sobre nós.