A memória de William, um jovem de Sant'Egidio em El Salvador, morto a 28 de Setembro de 2009. No seu amor pelas crianças da Escola da Paz de Apopa, William testemunhou a sua esperança num mundo diferente, baseado em valores mais pacíficos e humanos.

A história de William Quijano - Samy pelos amigos - é a de um jovem que, num contexto difícil e violento, não perde a esperança, não se deixa reter pelo medo, investe na educação para a paz e a não-violência.

William nasceu a 7 de Julho de 1988 em San Salvador. Perdeu o pai aos 14 anos de idade e mudou-se com a mãe para o subúrbio de Apopa, a cerca de vinte quilómetros da capital. Ele é um rapaz como muitos outros, apenas mais alto, mais expansivo. Como muitos, ele sonha com um futuro melhor para si próprio e para a sua família. Assim, continua a estudar, forma-se no Instituto Nacional de Apopa e tenta o seu caminho para a universidade, faculdade de direito. Mas ele não conseguiu manter-se aos estudos. Quando lhe é oferecido um emprego a tempo inteiro como promotor desportivo no Município de Apopa, opta pelo trabalho.
Tal como os outros jovens da cidade, William sofreu de um ambiente que - tinha escrito num caderno ao qual confiava reflexões dispersas - "se tornou extremamente violento, uma morte após outra; e não existe uma consciência social que apoie o povo.
De facto, a América Latina aparece no início do milénio como um continente em busca de novas referências e equilíbrios. Às antigas questões sociais, ainda não resolvidas, juntam-se outras feridas dramáticas, a penetração da narcomafia e a explosão do mal-estar juvenil, envenenado pelo fascínio da violência.
Assim nasceram as maras, gangues que atraem uma jovem geração desenraizada, pouco educada, sem perspectivas claras de futuro. Afirmam-se através da submissão e do terror, mas dão respeito aos que a eles aderem, dão identidade aos que não a têm.
O confronto político-ideológico armado dos anos 60 e 70 e 80 foi substituído por uma guerra de gangues, o homicídio como aposta, violência generalizada. El Salvador, um país de cerca de 6 milhões de habitantes, regista milhares de homicídios por ano - 3332 nos primeiros sete meses de 2015, por exemplo, 16 vítimas por dia -.
As maras fazem seguidores entre os menores, mesmo os muito jovens. Elas prosperam como o fruto amargo da violência semeada durante décadas, são o substituto de um sonho de sucesso e riqueza.

A resposta dos Estados da América Central ao fenómeno tem sido fundamentalmente repressiva. Emblemáticos são os nomes de dois pacotes anti-gangues postos em prática por El Salvador: Mão Dura e Mão Super Dura. E no entanto, apesar das detenções, para além das fortes declarações, não há fim para a violência. Talvez o que falta não seja uma mão dura, mas sim uma mão amiga, para cuidar dos jovens e adolescentes antes que seja demasiado tarde.
A Comunidade de Sant'Egidio tem vindo a cuidar destes jovens em risco há anos. Compreendeu que o desafio se joga no terreno da agregação, da paternidade e da autoridade

As Escolas da Paz constituem a principal articulação deste compromisso de proximidade, participação e educação alternativa. Centros de acolhimento pós-escolar gratuitos que apoiam a criança ou o adolescente na integração e sucesso na escola, propõem um caminho de crescimento saudável e pacífico. São escolas, mas também escolas de paz, coexistência, auto-respeito e respeito pelos outros. Neles a pomba da paz na camiseta ou no chapéu toma o lugar da tatuagem na carne, a marca da filiação à mara.
William tinha conhecido Sant'Egidio em 2005, aos 16 anos de idade e um pouco mais. A Comunidade, que nasceu em San Salvador, estava então enraizada em Apopa. William, alto, imponente, não aposta na corporalidade, mas nas palavras, na comunicação e na simpatia. No país dos confrontos cultivava a arte do encontro, com ingenuidade, com transporte, sem medo. K. dirá: "Lembro-me sempre dele com um sorriso, não consigo imaginá-lo triste. Ele estava alegre, a brincar. Ele vivia uma alegria profunda".
A sua adesão alegre e comunicativa é importante para a Comunidade de El Salvador. Entre aqueles que foram a Roma em 2006 para um tempo de fraternidade e formação, encontra-se também William, que voltou a Apope entusiasmado com o que viu e ouviu.
2006 é de facto um ano importante para William, central na construção de um "eu" mais maduro e mais consciente, na elaboração do seu amplo e humano sonho para os jovens de Apopa. E não apenas pela viagem a Itália.
Recordará M.: "Deve ter sido o ano em que ele foi a Roma. Falou-me da vingança que tinha eclodido entre o seu pasaje e o pasaje próximo. Tudo tinha começado por causa de um rapaz da sua zona, que, bêbado, tinha incomodado outro que vivia mais longe, tinha tirado o seu chapéu, a sua cachucha. Não foi nada, então; mas o quanto zangado o outro se zangou! E que consequências trágicas isto teria tido! Os dois pasajes tinham declarado guerra: ameaças, confrontos, assassinatos .... Ele disse-me: "Eles mataram seis deles no outro dia, e agora haverá retaliação". Ele estava triste, esmagado pela enormidade, o absurdo, do que estava a acontecer. Eram as mortes de jovens que ele conhecia, e tudo por uma cachucha! Foi a partir desse momento que ele tomou consciência de como Apopa precisava de um protagonismo diferente. Estava convencido de que tinha de fazer alguma coisa, tomou forças na oração, viu na Escola da Paz o caminho para uma nova dignidade, em Apopa e em todo o lado".
No domingo William começou a ir para San Salvador. Um pouco como um "batedor livre", uma vez para a Escola da Paz em San José, a outra para a Bambular, depois para Chanmico, e assim por diante.
"Ele estava um pouco entrincheirado na Escola da Paz", dirá F.. Ele tinha escrito: "O mundo está cheio de violência. Portanto, temos de trabalhar pela paz, começando pelas crianças. Devemos ter a coragem de ser professores, porque um país que não tem escolas ou professores é um país sem futuro ou esperança. As Escolas da Paz são santuários para pôr fim à violência e à pobreza.
William estava a falar a todos sobre o seu sonho. Que Apopa iria mudar, que se tornaria como o Bambular, onde anos de presença da Escola da Paz tinham impedido as maras de se enraizarem. Foi como um milagre de Sant'Egidio, aquilo que podia e devia ser replicado noutros lugares. Esta era a "consciência social" - para evocar as próprias palavras de William - que tinha amadurecido nele, e que o jovem esperava que pudesse tornar-se cultura e prática para toda uma geração.
O empenho de William na transformação de Apopa foi também um trabalho de civilização. Entre o final de 2008 e o início de 2009 recebeu uma proposta da Câmara Municipal para se juntar à equipa de promotores desportivos que, do ponto de vista da Administração, teriam de tirar as crianças do abraço das maras, envolvendo-as em algo mais saudável. William aceita: os últimos meses da sua vida irão vê-lo mudar-se para Apopa com S. e outros colegas, para contactar as associações desportivas, encorajar o seu apego aos adolescentes, estabelecer uma discussão mais ampla com eles.
Dos contos de S., emerge a paternidade que William exerceu com aqueles menores: "Por vezes chamavam-lhe 'Papa Samy'. Disseram-no como uma piada, mas era verdade que com William os jovens se sentiam amados, protegidos, seguros; por qualquer conselho recorriam a ele".
Em potência, eram corações arrancados às maras, mentes mais livres. E isto não podia deixar de incomodar aqueles que contavam, em vez, de perpetuar o seu controlo sobre Apopa e os seus jovens habitantes.
Talvez então alguém tenha colocado William na mira: era necessário dar uma lição àquele que se tinha atrevido a apresentar-se como concorrente aberto de um poder obscuro e violento. Ou talvez o mecanismo dos actos malignos sem um objectivo preciso, por aborrecimento, por apostas, por inveja.
O facto é que na noite de 28 de Setembro de 2009, William é atingido por alguns tiros no pasaje a poucos passos da sua casa. A sua mãe ouve os tiros e corre para o beco, mas as feridas são demasiado graves: o jovem promotor do Município de Apopa, o "bom gigante" da Escola de Paz de Sant'Egidio, morre pouco depois da sua chegada ao hospital.
A morte de William Quijano permanece envolta no mistério. Nunca se soube quem foram os dois que se pararam diante dele no pasaje, que partiram a sua vida.
O que se sabe é que o sonho de William, jovem filho de Sant'Egidio em El Salvador, ainda fala. A sua história, embora trágica, leva-nos a acreditar que outra América Latina pode ser construída, livre do pesadelo das maras. Na periferia existencial - como o Papa Francisco adoraria dizer - de Apopa, William testemunhou a sua esperança num mundo diferente, fundado em valores mais pacíficos e humanos.

Francesco De Palma