XXXIII do tempo comum Leia mais
Homilia
A parábola dos talentos começa falando de um homem que antes de partir, convoca os três empregados e entrega-lhes os seus bens. A sua confiança neles é absoluta, tanto é verdade que confia a cada um, uma grande soma de talentos. O talento correspondia a cerca de 50 quilos de ouro, portanto, era um valor deveras relevante. Essa consistência manifesta a importância do encargo que o patrão confia aos três empregados. Pois bem, ao primeiro, confia a gestão de cinco talentos, um verdadeiro tesouro. Ao segundo, entrega dois e ao terceiro, um. A entrega, como se vê, é pessoal e respeita as diferentes capacidades de cada um. Portanto, não estamos perante uma banal homologação: o patrão conhece as diferentes capacidades de cada um dos seus empregados e respeita-a. Entre a partida e o regresso do patrão, os três empregados devem fazer render o que lhes foi confiado. É claro que eles não são os proprietários, mas apenas administradores. Com efeito, quando regressará, o patrão pedir-lhes-á contas de como administraram o que lhes foi confiado. Após a partida do patrão, o primeiro empregado põe-se logo com as mãos à obra e duplica o capital (v. 16). Não é um acaso que o evangelista escreve que “logo” o primeiro empregado começou a trabalhar, como que a indicar o forte empenho e, portanto, a responsabilidade que sente pelos interesses do patrão. O mesmo acontece com o segundo empregado (v. 17). O terceiro, pelo contrário, cava um buraco na terra e esconde o talento recebido. Fazemos notar que o facto de ter enterrado o talento não é um episódio assim tão estranho; corresponde a um ditame da jurisprudência rabínica segundo o qual quem, depois da entrega, enterra um penho ou um depósito, fica livre de qualquer responsabilidade.
Com o regresso do patrão, o primeiro empregado apresenta-se e é exaltado e recompensado. O segundo aproxima-se e também ele apresenta o dobro daquilo que tinha recebido, sendo também ele recompensado. O terceiro aproxima-se e entrega ao patrão aquele único talento que tinha recebido. E justifica também o motivo desse seu comportamento: tinha medo de um patrão tão severo e queria, portanto, salvaguardar-se, seguindo estritamente o ditame jurídico. Aquele talento, aqueles talentos, são a vida, não a vida abstracta mas aquela concreta, a de todos os dias, feita de relações entre nós e o mundo. Tudo é entregue à responsabilidade de cada um de nós para que o possamos fazer frutificar. E a cada um de nós é dado conforme as nossas capacidades. Isto significa que na vida, não há uma medida igual para todos, mas também que ninguém é incapaz de fazer frutificar a vida que tem; ninguém pode apresentar desculpas (a mentalidade, o carácter, a própria doença e o enfraquecimento...) para se subtrair à responsabilidade de empregar a própria vida fazendo-a frutificar. Quanto muito, amiúde fazemo-la frutificar só para nós, utilizamo-la só para o nosso interesse, para a nossa segurança, para a nossa própria tranquilidade e nada mais. Foi o que fez o terceiro empregado: enterrou o talento para ter “paz e segurança”, como escreve o apóstolo na carta aos Tessalonicenses.
O terceiro empregado tinha a lei do seu lado que o eximia de qualquer responsabilidade e, sobretudo, dos riscos do empenho. A parábola adverte que, na verdade, este empregado preferiu esconder a própria vida num buraco, numa avarenta e egoística tranquilidade. E, provavelmente, é aqui que está o medo. Medo não tanto do patrão, quanto de perder a própria tranquilidade avarenta. Com esta parábola, Jesus revela por um lado, a ambiguidade daquele que se contenta daquilo que é, sem nenhum desejo de mudar, sem nenhuma aspiração de transformar a vida e, no fundo, sem nenhuma ambição para que a vida de todos seja mais feliz. Por outro lado, mostra que o Reino do Céu inicia precisamente quando cada um de nós, grande ou pequeno que seja, forte ou fraco que seja, não se fecha na sovinice e na mesquinhez de si mesmo, mas abre-se à vida, ao empenho para mudar o próprio coração, ao desejo operoso que a vida dos mais fracos seja ajudada, que este nosso mundo esteja mais perto do Evangelho. É assim que a nossa vida será multiplicada, a nossa fraqueza será fortificada, a nossa pobreza será transformada em riqueza, a nossa alegria será plena: “Muito bem, empregado bom e fiel... foste fiel na administração de tão pouco, eu confiar-te-ei muito mais; vem participar da minha alegria”.