A força débil que faz a história. Um editorial de Andrea Riccardi sobre a viagem do Papa Francisco ao Iraque

O Iraque é um mosaico de religiões e grupos étnicos, cujo destino é viver juntos ou lutar uns contra os outros. A sua complexidade sempre foi resolvida pela força ou brutalidade do poder. Foi o caso da ditadura do sunita Saddam Hussein, de 1979 a 2003, perseguidor da maioria xiita e exterminador dos curdos nas suas terras ancestrais. Saddam proibiu João Paulo II de fazer uma peregrinação à terra de Abraão, o Iraque. Todavia, o Papa Wojtyla tinha-se oposto às guerras americana e ocidentais contra o ditador, vendo-as como uma premissa do choque de religião e civilização entre o mundo ocidental e o Islão.

O Papa Francisco está a realizar - disse-o - a viagem do seu predecessor, porque o povo iraquiano não pode aguardar. Tem aguardado a paz da libertação ocidental e encontrou-se com um estado estilhaçado, experimentou a violência do auto-denominado Estado islâmico de Daesh, por detrás do qual existiam apoios sombrios. Esperou pela democracia e pela segurança, mas viu-se na anarquia. Quantas vidas perdidas em duas décadas de guerra, terrorismo e instabilidade! Quantos refugiados e quanta dor!

Francisco respondeu às expectativas dos iraquianos e das iraquianas visitando o país, apesar de muitos terem desaconselhado a sua visita. Este não é um momento em que os líderes façam visitas oficiais. E o Iraque não é seguro. O Papa, porém, sentiu que tinha de visitar esta periferia extrema sem paz e uma Igreja de novos mártires, bem como de fidelidade milenar ao Evangelho. Muitos, ainda hoje, arriscam as suas vidas no Iraque. Raghed Ghanni, um jovem padre caldeu que estava a estudar em Roma, poderia ter ficado aqui, mas regressou à sua terra onde foi assassinado em 2007: "Sem a Eucaristia, os cristãos não podem viver no Iraque", disse ele. E celebrou-a até à sua morte em Mosul, às mãos de terroristas islâmicos.

O Papa partiu da catedral sírio-católica em Bagdade, onde 48 cristãos foram mortos num ataque terrorista em 2010; e está hoje a rezar em Mosul, a antiga capital do Califado, onde os cristãos (pelo menos 6.000) foram expulsos e as igrejas destruídas (juntamente com edifícios religiosos mantidos por muçulmanos resistentes ao jihadismo).

Nos mártires há uma semente de vida para a Igreja e para o Iraque. Esta é a fé da Igreja. E o Papa, de facto, não vem por vingança, nem para acusar o Islão em bloco, como fazem alguns cristãos do Oriente e do Ocidente. Do Evangelho brota uma cultura de paz: uma convivência libertadora da lógica do choque entre diversidades, que se tornaram tribalismos arrogantes e violentos, tudo demasiado em voga no Iraque.

E a coexistência tem sido experimentada no Iraque em algumas épocas históricas, embora parcialmente. Aqui, durante milénios, houve judeus: 120.000 até 1948 e novamente dois mil na época de Saddam ( perseguidos por ele), enquanto o último rabino morreu em 1996. Também os Yazidis (que deram hospitalidade aos cristãos perseguidos durante a Primeira Guerra Mundial) que, por sua vez, foram exterminados por Daesh. Os cristãos eram muitos: quase um milhão e meio na véspera da Guerra do Golfo e ficaram menos de 300.000.

Apesar dos 1.200 cristãos mortos nos últimos tempos, o Patriarca Caldeu Sako não adoptou uma atitude vitimista, mas declarou: "O mundo e a história não param com a tragédia que estamos a viver actualmente". Francisco vem confirmar que os cristãos podem ser o início de um futuro pacífico. O respeito e a simpatia com que o Papa foi recebido pelo grande Ayatollah al-Sistani, a mais alta autoridade xiita, mostram como ele é considerado um homem de unidade e de paz. O diálogo nesta terra, onde a brutalidade das armas falhou, é a verdadeira força que constrói o futuro.

A viagem do Papa ao Iraque revela também a nós - habituados à sua presença, e talvez atentos aos acontecimentos do "Vaticano menor" - o valor do seu ministério. Com a força débil e humilde do Evangelho, toca-se e muda-se a história do mundo. O rasto de Francisco no Iraque mostra como a irrelevância provincial e a avareza dos cristãos europeus é uma escolha de pouca coragem. Em vez disso - vemo-lo nestes dias - um mundo, tão perdido, precisa que o Evangelho seja vivido. Olhando para Francisco, sente-se que se está a fazer a história no Iraque.

O Papa perguntou-se a si mesmo e perguntou-nos no deserto de Ur, onde não existem muros: "De onde então pode começar de novo o caminho da paz? Da renúncia a ter inimigos". Continuou então com uma série de indicações, precedidas por um solene e exigente: " Cabe a nós...". Os crentes de cada religião e de cada país não podem permanecer inertes ou irrelevantes, caminhar por conta própria, perseguir os seus próprios interesses, resignar-se ao mal. O " Cabe a nós . . ." de Francisco em Ur ressoa também nas nossas consciências, nas nossas cidades, nas nossas Igrejas.


[ Andrea Riccardi ]