IV de Páscoa
Memória de Santo Anselmo (1033-1109), monge beneditino e bispo de Canterbury; suportou o exílio por amor à Igreja.
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Homilia
Naquele dia de sábado, na sinagoga de Antioquia da Pisídia, antiga cidade situada no coração da Ásia Menor (a actual Turquia), deu-se um facto que não pertence só às origens da história da comunidade cristã: é a saída da Igreja do hebraísmo. Encontravam-se naquela sinagoga mulheres devotas e ricas e homens habituados a frequentar aquele lugar. Era um grupo bem formado e amalgamado, que acreditava no único Deus, coisa obviamente linda e singular numa terra de incrédulos e de pagãos. Naquela reunião de gente religiosa e crente, entraram Paulo e Barnabé e com eles “quase toda a cidade”, desejosa de escutar o anúncio evangélico. “Quando viram aquela multidão”, escreve o autor dos Actos dos Apóstolos (13, 14.43-52), os judeus ficaram cheios de inveja e com blasfémias, opunham-se ao que Paulo dizia.
Este episódio, aparentemente antigo, repete-se, na verdade, ao longo de gerações, ainda que com modalidades diferentes. Na verdade, os crentes da sinagoga de Antioquia são os crentes de todos os tempos e de todas as gerações, para quem a Palavra Evangélica é algo de já adquirido, de já conhecido, a ponto de não só não sentirem a necessidade de escutá-l’A, mas quando o fazem, não A escutam com o coração e com a necessária disponibilidade de mudar. Quando a Palavra os arrebata da sua sabedoria ou da concentração sobre si mesmos ou quando o Evangelho rompe os confins do grupo, do clã, da raça, da nação, eles reagem contradizendo quem os admoesta. O episódio que aconteceu em Antioquia é uma advertência para todo o crente, para toda a comunidade eclesiástica e, porque não, também para aquela mentalidade individualista que realça a própria particularidade e que se está a afirmar cada vez mais. Pensar que já conhecemos o Senhor e que O possuímos, bloqueando assim a contínua chamada à conversão do coração que, todos os dias, nos exorta a superar os nossos confins, é contradizer o Evangelho e, no fundo, blasfemá-l’O. Viver seguindo Jesus e o Seu Evangelho, não é a segurança de uma pertença e nem a tranquila aquisição de uma predilecção antiga. Há um empenho na escuta e uma necessidade urgente de mudança do nosso coração. No Evangelho Jesus diz: “As minhas ovelhas ouvem a minha voz; Eu conheço-as e elas seguem-Me” (Jo 10, 27). Ser fiel ao Senhor significa escutar a Sua voz e segui-l’O todos os dias, para onde quer que Ele nos conduza. É o exacto contrário do estar sentados preguiçosa e orgulhosamente na sinagoga de Antioquia. A quem O escuta e segue (a única maneira de O seguir é escutá-l’O enquanto fala e anda pelos caminhos do mundo) promete a vida eterna: nenhum dos que O seguem se perderá, diz Jesus com a segurança de quem sabe que possui um poder mais forte do que o da própria morte. “Ninguém vai arrancá-las da Minha mão”, promete. É um pastor bom, forte e ciumento das próprias ovelhas. A vida dos que O escutam está nas mãos de Deus, mãos que não se esquecem e que sabem sustentar sempre.
O Apocalipse (7, 9.14-17) abre aos nossos olhos a visão de “uma grande multidão, que ninguém podia contar: gente de todas as nações, tribos, povos e línguas. Estavam todos de pé diante do trono e diante do Cordeiro, vestidos com vestes brancas” (v. 9). É a imagem do fim da história, mas também do fim para a qual tende: é para aquela multidão que o Bom Pastor nos conduz. E é precisamente esta visão que os crentes e os homens de boa vontade são chamados já hoje a realizar, em particular, neste momento histórico, em que assistimos a um mundo onde as pessoas e as nações (incluídos os grupos étnicos) estão mais preocupadas em reivindicarem os próprios direitos do que em realizar a comunhão. No entanto, o que fica muitas vezes despercebido é precisamente esta visão de unidade do género humano que é, no fim de contas, “a missão histórica” de Jesus. O Apocalipse representa o oposto do que sucede aos judeus de Antioquia da Pisídia. A pregação rompeu com os limites restritos daquelas pessoas religiosas e projectou-se para o vasto mundo dos homens. O Evangelho alarga o coração de todo o crente, porque arranca a raiz amarga do individualismo egoísta e violento. No coração de cada membro daquela “multidão” de que fala o Apocalipse (estão incluídos também os que, sem o saberem, estão animados pelo espírito de Deus) colhe-se o respiro universal que sustém o próprio coração do Bom Pastor. Neste domingo, a Igreja exorta a rezar pelos sacerdotes e pela função pastoral deles. É uma oração que nos toca, bem sabendo que todos, mas eles em particular, devem viver o respiro de uma caridade universal característica do Evangelho cristão.