XXI do tempo comum
Memória do apóstolo Bartolomeu de Caná da Galileia. O seu corpo encontra-se na igreja de S. Bartolomeu na ilha Tiberina, em Roma, que se tornou lugar memorial dos “Novos Mártires”. Recordação de Jerry Essan Masslo sul-africano, refugiado na Itália hóspede da Comunidade de Sant'Egidio: foi morto por bandidos. Com ele, recordam-se todos os refugiados.
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Homilia
O trecho evangélico que acabámos de escutar é conhecido como “o texto da primazia de Pedro”. No entanto, é um trecho evangélico que vai para além do debate sobre a “primazia” de Pedro e interpela a fé de todos os crentes. Os próprios Doutores da Igreja que não tinham as preocupações sobre a primazia do Papa, deram a estas palavras evangélicas uma interpretação mais espiritual e mais ligada à vida comum do cristão. Para poder compreender bem esse episódio é necessário, antes de mais, inseri-lo na nova situação em que Jesus Se veio a encontrar (nisto, ajuda-nos muito o trecho paralelo de Marcos 8, 27-30). Depois da Sua pregação na Galileia, Jesus está praticamente sozinho. Tinha tentado transformar as multidões que O seguiam no “novo povo” de Deus mas teve de constatar uma primeira derrota: todos O tinham abandonado. Estava sozinho, com aquele pequeno grupo de discípulos. Parecem fiéis, é verdade; mas resistirão até ao fim? Aceitarão um Messias crucificado? Estas e outras questões enchem a cabeça de Jesus. Por isso, reúne aquele pequeno grupo num lugar isolado, na região de Cesareia de Filipe e pergunta-lhes o que é que as pessoas pensam d’Ele. Com efeito, havia uma grande expectativa entre as pessoas em relação à vinda do Messias, mas grande também era a incerteza sobre a Sua figura e a Sua função. No entanto, em geral, concordavam em considerar o Messias como um homem politicamente e militarmente poderoso. De qualquer modo, os ânimos da multidão estavam aquecidos em relação a esse argumento, tanto é que se falava de uma espécie de “febre messiânica” entre as pessoas. Alguém já se tinha apresentado como Messias e tinha sublevado grupos armados que foram prontamente reprimidos pela autoridade romana. As respostas dos discípulos à pergunta de Jesus reflectem a incerteza geral: havia quem via n’Ele João Baptista ressuscitado, quem pensasse que fosse Elias, quem Jeremias ou qualquer outro profeta. De qualquer modo, todos viam-n’O como um grande profeta, mas não Aquele mediante o qual Deus fala e age. No entanto, a verdadeira intenção de Jesus é saber o que é que eles pensam d’Ele: “E vós, quem dizeis que Eu sou?” Pedro, em nome de todos (a Igreja do Oriente chama-o “corifeu”), responde com a profissão de fé: “Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo”. E Jesus responde-lhe: “És feliz, Simão filho de Jonas, porque não foi um ser humano que te revelou isso, mas o Meu Pai que está no Céu”. Pedro recebeu a revelação de Deus. Ele pertence àquele grupo de “pequeninos” a quem é revelado o mistério oculto desde a fundação do mundo (Mt 11, 25-26). Ele, como escreve Paulo, pôde saborear o “pleno conhecimento da vontade, da sabedoria e do discernimento do Espírito de Deus”. E, a seguir, Jesus dá-lhe um novo nome: “Simão, chamar-te-ás Kefa” (“Petros” em grego). Receber um novo nome significa receber uma nova vocação, iniciar uma nova história. O novo nome que Jesus dá a Simão, recorda a imagem da construção. Não há dúvidas de que “a pedra” é, certamente, só Jesus; e sobre Ele, “pedra angular”, constrói-se a casa. Mas Pedro torna-se no protótipo dos discípulos, exemplo para os crentes de qualquer lugar e de qualquer tempo: isto é, todos devemos participar na sua fé. Ele mesmo é que nos sugere isso, quando escreve: “Aproximai-vos do Senhor, a pedra viva como pedras vivas entrai na construção dum templo espiritual” (1Pt 2, 4-5). Todo o crente deve participar no nome, na história, na vocação de Pedro para construir o edifício espiritual. Neste empenho de construção, todos, cada um à sua maneira, recebemos o “poder das chaves”, isto é, o poder de “desligar” e de “ligar”. Como escreve também o profeta Isaías a propósito do eleito de Deus, Eliacim: “Colocarei a chave da casa de David sob a sua responsabilidade; quando ele abrir, ninguém poderá fechar; quando ele fechar, ninguém poderá abrir”. Trata-se de um poder real. Mas o que é que significa desligar e ligar? Desligar significa desatar os laços que nos prendem ao nosso egoísmo, que nos amarram firmemente à margem do nosso amor-próprio, que nos obrigam inexoravelmente a estarmos sujeitos aos egoísmos pessoais ou de grupo, de clã, de etnia, de nação. São laços que nos tornam escravos e violentos. É urgente desligá-los e encaminharmo-nos para o Reino de Deus, onde a amizade, a solidariedade, o serviço recíproco são a nova lei. São estes os “laços” que devemos realizar. Pois bem, Jesus diz que esses laços realizados na Terra serão confirmados no Céu. Permanecerão íntegros e continuarão firmes mesmo depois da morte. É, deveras, uma grande consolação saber que tudo aquilo que ligaremos na Terra ficará ligado também no Céu, isto é, para sempre. Isto é, o que conta na vida é o amor; o que fica é, precisamente, a amizade que estreitamos entre nós e os outros. É sobre “esta pedra”, sobre pedras desta qualidade, que Jesus constrói a Sua Igreja e o mundo novo.