XXX do tempo comum Leia mais
Homilia
Este trecho do Evangelho de Mateus adquire toda a sua dimensão se o lermos no âmbito da condição das nossas cidades que se tornaram cada vez mais semelhantes a Babel: isto é, cidades onde os homens perderam a referência ao único Senhor. Nessa condição de ausência de Deus, as cidades estão à mercê da confusão das linguagens, do esforço em se compreenderem, da facilidade dos conflitos. O trecho bíblico narra o gigantesco trabalho daqueles homens que deveriam consagrar a própria omnipotência e satisfação. Mas, perdendo o contacto com Deus, cada um procurava o próprio interesse individual perdendo, assim, a capacidade do encontro recíproco. Babel era e continua a ser o símbolo dos encontros falhados, seja com Deus seja com o próximo. O Evangelho narra de alguns fariseus que se aproximam de Jesus para Lhe perguntarem qual é o maior mandamento da Lei. Para melhor compreendermos esta pergunta, devemos recordar que as várias correntes religiosas do hebraísmo tinham codificado bem 613 preceitos, dos quais 365 negativos e 248 positivos. Uma notável quantidade de disposições; apesar de nem todas terem o mesmo valor. Na tradição bíblica era claro qual fosse o primeiro. O livro do Deuteronómio dizia-o claramente: “Ouve, Israel: o Senhor nosso Deus é o único Senhor. Portanto, ama ao Senhor teu Deus com todo o teu coração” (Dt 6, 4-5). Assim como também era conhecido o preceito de amar o próximo. Para a tradição rabínica, basta recordar a fórmula atribuída a R. Hillel (rabino do séc. I): “Não faças ao próximo o que não queres que te façam a ti, esta é a Lei. O resto é apenas explicação”. Um outro hebreu faz-lhe eco: “Ama o próximo como a ti mesmo”.
Não é, pois, exacto afirmar que na tradição judaica não houvesse uma hierarquia de preceitos. A originalidade evangélica não está no facto de recordar os dois preceitos principais, mas de juntá-los tão profundamente ao ponto de os unir. O mandamento que se refere ao amor pelo próximo é assimilado ao primeiro e maior mandamento sobre o amor íntegro e total por Deus, pois pertence à mesma categoria do princípio unificador e fundamental. O caminho para chegar a Deus cruza necessariamente o que leva aos homens. E, àqueles homens que mais necessidade têm de serem defendidos porque mais fracos. Defendendo-os, defende-se Deus. João o evangelista, chega a dizer que “nós passámos da morte para a vida, porque amamos os irmãos” (1Jo 3, 14). Não só. Deus nem sequer se põe em concorrência com o amor pelos homens; de um certo modo, não insiste sobre a reciprocidade do amor (é obvio que deve existir). Na verdade, Jesus não diz: “Amai-Me como Eu vos amei”, mas: “Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei”.
A Escritura, nas Suas disposições sobre a hospitalidade e o acolhimento, não faz outra coisa senão colocar-Se neste horizonte. Ela pede para hospedar os estrangeiros e socorrer o órfão e a viúva. São duas condições que na Babel do fervor consumista são postas de lado. Mas Deus coloca-Se do lado dos fracos e defende-os. Destes dois mandamentos (ou do único amor) depende (literalmente “pende”) toda a Lei e os profetas. O princípio de amor dá sentido e unidade a toda a revelação da Bíblia. Mas também é a língua unificadora das muitas línguas e culturas que formam a nossa Babel. Com efeito, todos podem falar a língua do amor pelo próximo, mesmo os que não acreditam; e Deus entende-a porque é a Sua língua. Recorda-nos isso o famoso trecho de Mateus: “Estava com fome, e destes-Me de comer” (Mt 25, 35), diz Deus àquele desconhecido homem caridoso. E salva-o. Este modo de se comportar também salva Babel da confusão e da tragédia. E não é por acaso então, que podemos redescobrir o outro significado de Babel, isto é, “porta do céu”. É verdade! Se falarmos a língua do amor (uma língua que pode ser falada em muitas culturas e também em muitas fés diferentes), a nossa Babel pode-se tornar não na cidade da confusão, da ambiguidade e dos encontros falhados, mas na cidade que nos abre a “porta do céu”.