XX do tempo comum
Memória de São Maximiliano Kolbe, padre mártir do amor, que aceitou morrer em Auschwitz para salvar a vida de uma outra pessoa.
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Homilia
Há uma urgência na página evangélica deste domingo que o Senhor nos quer transmitir: a urgência de anunciar a todos que o Reino de Deus está entre nós. É isso que moveu Jesus desde o início da Sua pregação. Dizia às multidões que encontrava: "Convertei-vos, porque o Reino de Deus está próximo". Era a substância da Sua pregação e da Sua acção pastoral. Jesus trazia para a Terra o fogo do amor de Deus. Não era uma teoria, não era uma proposta, não era uma nova ideologia. Era um fogo que queimava, antes de mais, o Seu próprio coração e que O levava percorrer "todas as cidades e povoados, ensinando nas suas sinagogas, pregando a Boa Notícia do Reino e curando toda a espécie de doenças e enfermidades" (Mt 9, 35). Este fogo tem um nome: compaixão. Mateus escreve-o no seguinte versículo: "Vendo as multidões que O seguiam sente compaixão, porque estavam cansadas e abatidas, como ovelhas que não têm pastor" (Mt 9, 36). A compaixão de Jesus é um desejo pungente, quase angustiado, que não pode reter para Si. Tanto é que suspira: "e como gostaria que já estivesse aceso!". Infelizmente, esta urgência que também premia sobre Jesus, hoje é muitas vezes impedida, obscurecida, até mesmo sufocada. É obscurecida pelo clima de violência que parece prevalecer no mundo, seja no Oriente seja no Ocidente; é truncada pelas numerosas guerras que em muitos países do mundo continuam a gerar tristeza e morte; às vezes, é impedida também pelos próprios discípulos quando se sonegam ao convite do Senhor para seguirem as próprias urgências, ou se deixam transportar pelos próprios interesses, pelos próprios hábitos, pelas próprias preocupações. É fácil resignar-se ao presente, fechando-se no próprio pequeno mundo e fazendo prevalecer uma avarenta resignação. Quantas vezes ouvimos dizer: não é possível fazer nada! O mundo sempre foi assim! Já sou adulto e já não posso mudar! E assim, por diante. Mas o Senhor torna, mais uma vez, entre nós e repete: "Vim para lançar fogo sobre a terra: e como gostaria que já estivesse aceso!". É verdade, deixemo-nos envolver por esta paixão, deixemo-nos queimar por este fogo, pois vislumbraremos imediatamente a mesquinhez das nossas paixões e a avareza dos nossos corações. Infelizmente, o único fogo que queima em nós é o fogo-fátuo do amor-próprio que os Antepassados chamavam "filáucia". O amor de Jesus é de outra natureza. É um amor doce e perturbante, faz esquecer-nos de nós mesmos e prevalecer o interesse pelos pobres. Para o explicar, sem meios-termos, Jesus diz: "pensais que vim trazer a paz à terra? Pelo contrário, Eu digo-vos, vim trazer divisão...". Muito dificilmente teríamos atribuído estas palavras a Jesus. Mas o Evangelho é diferente da nossa maneira de pensar. A afirmação de Jesus que realça mais a espada que a paz significa que Ele não veio defender o nosso egocentrismo, mas o amor pelo próximo. Com efeito, Jesus não veio defender a tranquilidade mesquinha do rico epulão que nem sequer se apercebia da existência do pobre Lázaro esfomeado diante da sua porta; nem veio defender o egocentrismo do sacerdote e do levita que, apesar de verem o homem quase morto ao longo da estrada, prosseguiram sem parar. Esta não é paz, mas avareza, mesquinhez, insensibilidade, pecado. Não existe paz sem um amor forte e apaixonado. Com efeito, Jesus, só depois de ter vivido o drama da paixão que foi o oposto de paz e tranquilidade, é que disse aos discípulos: "Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz". A paz do Senhor não se coloca no plano de um intimismo tranquilizador. A paz evangélica consiste em unir o próprio coração ao do Senhor. É verdade, a paz é a paixão que leva a dar a vida em prol dos outros. Neste sentido, a paz divide. A paz dividiu, de um certo modo, a própria vida de Jesus, quando ainda criança, deixou os pais para ir para o Templo: "não sabíeis que Eu devo estar na casa do meu Pai" respondeu aos pais que angustiados O estavam "justamente" a repreender; dividiu-O de Nazaré para ir para o deserto de João Baptista; dividiu-O dos discípulos em Cafarnaum no discurso do pão, quando dirigindo-se aos Doze, disse: "vós também vos quereis ir embora?"; dividiu-O de Pedro quando queria afastá-l’O do Seu caminho: "Afasta-te de mim, Satanás"; dividiu-O dos doutores da Lei e dos fariseus... O Evangelho dividiu-O do amor por Si na agonia do Getsémani: "não se faça a Minha vontade, mas a Tua". Jesus ensina que a paz está na escuta do Pai. Para nós, a paz consiste em seguir o Evangelho. Demonstram-nos isso os numerosos mártires de Novecentos e os deste início de milénio. Contemplando-os, podemos aplicar também a nós as palavras da Carta aos Hebreus: "Portanto, estamos rodeados dessa grande nuvem de testemunhas; deixemos de lado tudo o que nos embaraça e o pecado que se agarra a nós; corramos com perseverança a corrida, mantendo os olhos fixos em Jesus" (12, 1). Todos eles escolheram no próprio coração, o fogo do amor de Deus que os dividiu da própria vida terrena. Os mártires recordam-nos que o amor evangélico consiste em dar a vida pelo Senhor e pelo próximo. É verdade, há um sentido heróico no Evangelho. E devemos redescobri-lo. Assim, torna-se num fogo que queima. Trata-se de uma espécie de lei bíblica: acontece o mesmo ao profeta Jeremias que foi lançado para a prisão para que não incomodasse mais com a sua palavra a mesquinha tranquilidade dos israelitas. O Senhor veio para nos dar o fogo do amor. Se o deixamos arder no nosso coração, o mundo transformar-se-á. E o seu calor deixa entrever o tempo novo de Deus.